No Divã do Duduka

DUDUKA MONTEIRO
3 min readDec 9, 2020

Me sentindo Freud, com um lápis e um bloco na mão onde anotava traumas infantis — tendo o táxi como divã, ouvi a senhora de quase 80 que relatou o seguinte:

“Eu tinha 8 anos e estudava em uma escola muito rígida. A gente tinha medo das professoras. Eu era uma menina muito distraída e envergonhada. Minha mãe um dia me perguntou se eu era chamada para ir na lousa. Os alunos sempre eram chamados pra ir na lousa. Disse pra minha mãe que não. Nunca fui chamada. Minha mãe não se deu por rogada e foi no Colégio perguntar pra professora qual o motivo de eu não ser chamada…No outro dia, quando a professora chegou, comentou com a assistente — naquele tempo existia uma assistente de professora que ficava na sala de aula: Tem menina linguaruda aqui que precisa ter a língua cortada…Imagina: eu, uma menina de 8 anos, ao ouvir aquilo acreditei. Morria de medo ao ir pra escola e ter a minha língua cortada. Fiquei noites sem dormir, vomitava e chorava com frequência. Minha irmã mais velha que estudava na escola reclamava que não aguentava mais me esperar e ouvir meus choros. Minha mãe teve que me tirar da escola”…

Bocejando — e mordiscando o lápis, perguntei-lhe se lembrava dos detalhes dessa época. Disse-me que sim.

Até os dias atuais ela não sabe de quem era a culpa de seu trauma: a professora ameaçadora ou sua mãe que foi cobrar da professora…

Mordi o lápis com prazer e lhe disse: “hummmmmm”.

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Outro relato, dessa vez uma mulher com aproximados 45 anos que disse:

“Olha, é a primeira vez que vou contar pra alguém essa história. Nem pra minha mãe contei. Quando era menina e estudava num pré meu vestido da festa junina da escola rasgou bem no dia que a gente ia ensaiar. Eu me recusei em ensaiar por que morria de vergonha de dançar a quadrilha com o vestido rasgado. A professora não entendia por que me recusava em ensaiar naquele dia. Nem minha mãe nunca soube. Chorei e recusei. Pronto, eu disse pra alguém, depois de tantos anos falei. Era um trauma meu. A gente tem muitos traumas na infância. E olha que eu tive um irmão que teve que se ajoelhar no milho…”.

Com os olhos semicerrados e mordiscando o lápis mordiscado lhe perguntei onde era o rasgo no vestido. Ela me respondeu que era na bainha…

Aos 45 anos dançar quadrilha com vestido rasgado e ter irmão que se ajoelha no milho é sintoma de desajuste social, pelo que observei…

Mordiscando com mais prazer o lápis mordiscado no mordiscado, lhe disse: “hummmmmm”.

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Depois continuo…

06.05.2016

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Obs.: Em 2015 e 2016 trabalhei como taxista — dignamente. Conheci muita gente boa. Era interessante ouvir as pessoas, conversar, instigar assuntos. Foi um belo exercício de convivência humana. Freud que explique isso.

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